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NEGRUMO

  Eu os vi se transformando em pó e caindo para a escurid?o. Estiquei depressa minhas m?os para segurá-los, mas tentaram me puxar para baixo e me feriram. Ent?o, os deixei ir.

  A vigilante sentiu a dor se irradiando para os drag?es, que mantinham o vigilante sob uma preocupada aten??o.

  Se arrependeu de ter provocado tanta dor e desconforto.

  Lázarus se virou com suavidade para os drag?es, que rulharam suaves e deitaram novamente as cabe?as, ainda o mantendo sob aten??o.

  Lázarus se voltou lentamente para o horizonte, o peito se enchendo demoradamente, e demoradamente expirando, como se estivesse colocando os pensamentos em ordem enquanto tomava coragem para encarar seus dem?nios.

  Ariel ficou em silêncio, pensando. Havia toda aquela dor latente, n?o resolvida. Ficou se perguntando se devia mesmo fazê-lo sentir novamente aquela dor. Resolveu deixar que ele decidisse isso. Em silêncio ficou aguardando, os olhos baixos e tranquilos.

  - Lutamos contra a escurid?o quando tentaram tomar Aden para si. Conseguimos, a muito custo, tirá-la de lá. A perseguimos até sua origem, e nos batemos com os primeiros dem?nios, com Zadckiel, Balael e Iveagha. As guerras eram duras e sofríamos muito. Nossos números foram diminuindo ao longo dos eons, ou por desistência, morte ou simplesmente porque caiam para a escurid?o, por elas seduzidos – contou, a voz em tom baixo e amargurado. – E, um dos que mais sofriam era Negrumo, que na época se chamava Haamiah, o escolhido.

  - Eu já ouvi alguma coisa dele, de sua nobreza – Ariel falou baixinho se aproveitando de um momento de silêncio, preocupada em n?o interromper a linha emocional de Lázarus.

  - Era sim – retomou, por fim. – Haamiah n?o esmorecia, n?o desistia, n?o fraquejava, e estava sempre conosco, nos incentivando, nos ensinando. Devagar fomos expulsando os escuros, primeiro de Lira, depois dos sistemas mais próximos, um a um, até que os encurralamos na galáxia vizinha, onde eles criaram imensas hordas de criaturas desenvolvidas apenas para a guerra, os drakos. Lá, foi um pesadelo – gemeu. – A muito custo conseguimos deter uma nova expans?o para cá e os cercamos, e fomos combatendo-os metodicamente, sob imensos e terríveis sacrifícios.

  Lázarus se remexeu, perturbado, as vis?es que trazia incomodando-o terrivelmente.

  Subitamente já n?o estavam mais na praia perto da Casa Azul, mas numa das montanhas da Muralha da Espinha do Drag?o. Depressa Ariel tirou de si o frio e se protegeu da nevasca raivosa que a tudo encobria com sua fúria branca, enquanto se perguntava se os drag?es logo apareceriam por ali. Achou que n?o, e que acabariam por entender a dor do vigilante, e ficariam esperando-o em Par Adenai.

  A voli??o involuntária de Lázarus lhe deu a medida do terrível sofrimento que ele tinha, o que acabou por aumentar o seu.

  > Foi um pouco antes do início da primeira guerra demoníaca – contou. – Nós fomos convocados na Cidade Branca – falou, a voz soando clara, ignorando a fúria do vento, - quando fomos confrontados por aqueles a quem chamávamos de irm?os e a quem tanto nos esfor?ávamos em defender. Nos acusaram de estarmos sendo dominados pela escurid?o, porque quando lutávamos com ela, dela fazíamos parte, disseram. Orgulho, ego e vaidade – a voz se tornou mais densa, mais baixa e dolorida, quase sumida. – Nos acusaram disso muitas vezes, acho que para se convencerem disso – sofreu ainda mais. – Orgulho, ego e vaidade t?o grande que nos fizeram dar pouco valor ao livre-arbítrio daqueles que estavam perdidos na escurid?o. Por mais que tentássemos n?o conseguíamos fazer com que vissem, e nos abandonaram e nos amea?aram com a expuls?o da cidade e de... Aden. Haamiah ainda insistiu muito, por muitos dias, tentando fazê-los enxergar, dizendo que os escuros estavam usando o livre-arbítrio deles para nos tirar o nosso próprio livre-arbítrio, numa sanha insana e abominável de destrui??o e domina??o. Disse que se enganavam em tentar se reunir com os escuros, pois que eles se aproveitavam das inocências deles, se aproveitavam para semear medo e mentiras, com o que eles n?o estavam acostumados. Mas, n?o o ouviam, n?o nos ouviam. Por fim, ao lhes perguntar como a escurid?o deveria ser combatida, e por que ainda n?o o faziam, deixando isso para eles, mandaram que ele saísse da frente do conselho. “Que se desterre, e aos seus também, em qualquer canto, em qualquer buraco”, sentenciaram, o que muito atingiu Haamiah duramente, e que ele repetia muitas vezes para si, o que o corroía como um ácido.

  - Por isso o nome Buraco, sobre o port?o do castelo Escuro – sofreu Ariel.

  Ariel sentiu o peso em seu cora??o ao perceber que agira da mesma forma que o conselho. Ent?o, como poderia julgar o conselho?, sofreu. Voltou os olhos doloridos para Lázarus, os cabelos e roupas se batendo com violência na tempestade, bem inferior a dor que carregava dentro do seu peito.

  Com uma explos?o suave estavam agora no Jardim.

  Devagar ele se encaminhou e se sentou num velho banco de pedras, que Ariel acompanhou, enquanto ele se dava inúmeras flores-azuis, pelo ch?o e pelas paredes de pedra.

  Um sorriso enorme, apesar de ainda um tanto triste, emergiu em seu rosto quando vários drag?es, entre eles Shen e ádrio, se apressaram a encontrá-lo na ampla varanda. Após o cumprimentarem foram se instalando ao lado e na varanda de cima, todos atentos ao vigilante.

  Ariel sentiu seu peito crescer com aquela vis?o, com todo o amor que estava ali. Balan?ou a cabe?a, incrédula com aquela demonstra??o de carinho, e soube que n?o havia melhor lugar para estar.

  A vigilante seguiu o olhar de Lázarus, passando por todos eles, e conseguia ouvir, com intensa nitidez, ele dizer o quanto os amava.

  Sorrindo suavemente ele baixou a cabe?a, buscando novamente a estória que contava.

  Ent?o a levantou, buscando Ariel com os olhos.

  > Apesar de três anjos terem se levantado a nosso favor – disse retomando a estória, - Safiel, Miguel e Yeshua, que conseguiram impedir nossa expuls?o, n?o conseguiram tirar a dor e a mágoa do cora??o de Haamiah. Em dores ele simplesmente, ...

  Lázarus ficou alguns segundos acariciando uma flor-azul, suave e de modos distantes.

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  > Ele simplesmente ruiu, desistiu – continuou a narrar a dura estória. - Sem qualquer palavra desapareceu de nossos olhos e se foi, como muitos outros de nós se foram, n?o desejando mais serem encontrados. Ficamos em um número muito pequeno ent?o, e por muito tempo ficamos sem a??o.

  > Mas, tivemos que continuar, porque o mal se expandia violentamente, tendo como foco principal essa galáxia, Onáriah. Alguns dos nossos disseram que deveríamos partir, irmos para um outro universo, esquecermos disso tudo, porque n?o nos queriam aqui, porque nos gritavam que todo o mal vinha de nós. Foi isso que muitos fizeram. Nós, os que permanecemos, n?o os recriminamos. Nós só sentimos que n?o podíamos desistir.

  Lázarus fechou os olhos, sondando a própria alma, ouvindo seus sussurros, conversando consigo mesmo.

  > No entanto, desmotivados e perturbados, novamente paramos, a dúvida em nossos cora??es, nos perguntando se nossos acusadores tinham alguma raz?o.

  Ariel apoiou seu ombro no ombro de Lázarus, tentando com isso mostrar que estava ali e que ele, se quisesse, n?o precisaria sentir mais aquela dor sozinho.

  > Ent?o soubemos que Miguel e Yeshua estavam formando vastos exércitos para além do sistema de Lira. Foi isso que nos incentivou a nos levantarmos novamente. Renovados, de ganedrais nós nos chamamos, como uma chama revista e acarinhada. Ent?o, novamente batalhamos contra eles, por um tempo sem medida. A duras penas conseguimos libertar a galáxia vizinha, como conseguimos impedir que se alastrassem por aqui. As últimas batalhas, as mais terríveis desde ent?o, se deram aqui, em Urantia, sobre a Muralha da Espinha do Drag?o e nas planícies que agora s?o chamadas de Planícies Secas.

  Ariel notou o tom mais dolorido quando ele mencionou as Planícies Secas, e desconfiou de que algo terrível havia acontecido ali. Lázarus se quedara num mutismo, como se estivesse revivendo algo que o machucava.

  - O que houve nas Planícies Secas, Lázarus? – perguntou com cuidado e carinho.

  - Hoje você as vê como um lugar destruído – contou após um momento de silêncio, - mas n?o era assim. As montanhas n?o eram escuras e queimadas, o palácio n?o era uma ruína, os caminhos n?o eram ocultos e assombrados, e n?o havia o vasto pantano – falou meio sonhador, como se estivesse revendo como ele era, pondo levemente seus olhos na distancia, nas longínquas Montanhas Sombrias. - Lá era um lugar belíssimo e agradável. Lá era o lar de um rei amado e benevolente, chamado de o rei do norte. Ainda o posso ver sentado sem eu trono de pedra, sentado em seu Castelo Branco, de encontro às majestosas Montanhas agora Sombrias, cercadas por planícies vastas e verdes – suspirou, os olhos ainda distraídos.

  - Quando descemos em Urantia para combater a invas?o das sombras sentimos algo poderoso lá, algo escuro que nos chamava. Quando chegamos o encontramos, e a muitos dos nossos. Haamiah estava lá, nos esperando em um trono negro em um castelo escuro à frente de montanhas que tornara sombrias quando tomara aquele reino. Haamiah... – suspirou. - Esse nem era mais o seu nome. Ele agora se reconhecia por Negrumo, e nos queria com ele.

  > Por mais que tentássemos ele e os outros irm?os que estavam lá n?o queriam ver, vendo apenas a trai??o de que tínhamos sido alvos. A dor e a mágoa eram enormes neles. Olhamos para eles e vimos, com o cora??o soterrado, o qu?o profundamente haviam caído, o quanto estavam perdidos na escurid?o. Quando nos recusamos, no ato nos atacaram com uma imensa selvageria, gritando que agora entendiam, que agora viam que tínhamos sido nós os que fizeram a cabe?a dos conselheiros contra eles, e que éramos nós, desde o início, uma escurid?o infiltrada no meio deles. Por muitos dias nos batemos ali, porque somente um lado poderia sobreviver àquela loucura insana e desvairada, cega, surda, que somente se ocupava de sua insanidade.

  > A guerra acabou por fim, quando... quando...

  Ariel sentiu a pancada em seu cora??o e seus olhos desabaram. Com muito carinho tomou a m?o de Lázarus entre as suas, e ficou quieta, a alma em silêncio, numa reza muda pelo anjo que tanta dor trazia em seu peito.

  > ...quando eu tirei a vida do meu irm?o, vendo sua centelha cair ainda mais fundo. Tentei buscá-la, mas n?o consegui. Ele estava fora do meu alcance, como qualquer outro deles.

  - O que acha que aconteceu, Lázarus, para que fiquem todos eles fora de seu alcance?

  - Eu procurei pelos anjos, Miguel e Yeshua, e fui mantido na ignorancia. Eu os compreendo, e aceito.

  - Você está querendo dizer que...

  - Acho que eles caíram tanto pela dor imensa que carregavam, que ficaram paralisados. Para mim, eles foram dissolvidos na fonte – falou, a voz embargada e pesada.

  Ariel n?o se atreveu, nem teve for?as para falar alguma coisa. Era sabido que centelhas destro?adas, paralisadas na escurid?o, que n?o tinham qualquer perspectiva de avan?ar, ou que usavam seu livre-arbítrio para desistirem, eram dissolvidos e tudo o que era voltava para o UM, onde a centelha seria resetada. E agora, bem à frente, talvez a primeira que podia tocar tal fato.

  - Escolhas – suspirou por fim, vendo que Lázarus se mantinha em silêncio.

  - Sim, escolhas... – disse bem devagar. - Ent?o, quando aquela batalha acabou, vimos que agora éramos muito poucos, apenas treze. Foi quando nos nominamos de UmDosIrm?os, os últimos ganedrais. Mas, a guerra n?o havia terminado, e n?o pudemos nos retirar dela. Daquelas planícies destruídas subimos a muralha, e continuamos a lutar.

  > Aqui os três principais dem?nios foram aprisionados, quando para cá veio o arquianjo, e tudo foi tranquilizado, por algum tempo. Ao final dessa guerra, meus irm?os, meus últimos irm?os se foram, se desafazendo em luz e descendo para a experiência, alguns em homens, outros em nefelins ou pessoas. Me restou apenas pensar que eles estavam felizes e resolvidos consigo mesmos, acreditando que tudo estava sendo deixado para trás.

  - Por que você n?o foi, Lázarus?

  Ariel baixou os olhos, n?o desejando ver aquela dor terrível e abandonada no rosto dele. Em silêncio aguardou um bom tempo, até que uma voz grave e um pouco rouca sussurrou:

  - Eu tenho que estar aqui, caso algum deles precise de mim. Sempre fico ouvindo pedidos e sonhos. Se precisarem de mim...

  - Eu amo você, Lázarus; eu amo você, Sênior, com a for?a de tudo o que sou. N?o preciso saber mais nada sobre você, porque eu, agora, vejo a sua alma...

  - E eu, vigilante, amo você, um amor destacado, identificado. Amo tudo o que vive, mas n?o como amo você.

  Ent?o, suavemente, a trouxe para si num abra?o envolvente e luminoso.

  Ariel, agarrada fortemente a Lázarus, viu os drag?es, em total silêncio se moverem, voltando aos seus ninhos, n?o sem antes, em movimentos magníficos, abrir as asas e aponta-las para o alto, todos voltados para os dois, como se estivessem lhes dando energia.

  Suspirou agradecida, tal como Lázarus, que também devia estar agradecendo o carinho deles.

  Safiel sentiu-se feliz, olhando os dois bem lá do alto do céu, e sorriu quando Miguel surgiu ao seu lado.

  - E aqui o grande arcanjo guerreiro do UM – Safiel cumprimentou satisfeito.

  - Como está o nosso amigo?

  - Ah, agora ele está bem...

  - Ele teve que encarar muitas dores por esses dias – cismou. – Os dias est?o mudando, exigindo demais dos que guardam dores n?o resolvidas.

  - E tudo ainda vai piorar – lembrou Safiel.

  - Sim, vai piorar. Mas, acho que essa limpeza, esse trazer do fundo essas terríveis dores, irá protege-lo. N?o acha, Safiel?

  - Eu o venho observando há um bom tempo, e sabe? Cada vez me surpreendo mais com ele. Sim, ele vai conseguir, ele vai se recuperar.

  - Ele está tentado a assinar o contrato?

  - Ele ficou tentado, mas apenas como um ensaio. Gostaria que ele assinasse?

  Miguel deixou o sorriso aflorar no rosto, os olhos perdidos nos dois pontinhos abaixo, a luz dos dois se fundindo.

  - Sabe que n?o, como ele também sabe. Ele vai ficar, pela família dele e pelas vidas que está aprendendo a amar cada vez mais. Ele diz que fica disponível, ouvindo pedidos e sonhos, esperando. Mas ele faz mais, porque atende os pedidos que pode e ajuda os sonhos que pode, e n?o procura mais saber se s?o ou n?o dos seus irm?os, dos UmDosIrm?os. Sabe, Safiel, ele é um dos poucos livres que n?o precisa encarnar para evoluir. é aqui, meu caro Safiel, que nosso amigo Sênior vai, finalmente, achar sua reden??o e acalmar o guerreiro raivoso que se tornou um dia.

  Que mais tarde seriam conhecidos como Trevas, Escurid?o e Mercator. Para maiores informa??es sobre eles, vide o ANEXO, ao final deste livro, bem como as obras OS DANATUáS e OS QUATRO, do mesmo autor (*).

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