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OS IRMÃOS

  O tempo que corre e torna tudo mais pesado nunca conseguirá esconder a luz dos olhos que se reconhecem, enquanto disso n?o desistirem.

  Ariel estudou os que estavam ali, naquele ajuntamento que enchia o seu cora??o, reunidos na casa azul a convite dos ellos. N?o sabia o que o futuro traria, porque as experiências desse mundo eram densas demais e se enrodilhavam das formas mais inesperadas possíveis, mas aquele “aqui/agora” estava de uma beleza indescritível. Sentia aquelas almas irradiando paz e felicidade.

  Na grande fortaleza dos ellos estavam Lázarus, ánacle, FlorDoAr e a pequena Sol, com também o rei Cálibor e muitos guerreiros ellos e manira-ellos da Casa Azul.

  Estavam reunidos no centro de um grande círculo formado por bancos de mármore que pareciam irradiar uma luz branca e suave.

  ánacle ficou por alguns segundos examinando a figura majestosa e imponente do rei.

  Ele trajava vestes brancas de duas camadas e de delicadas linhas, que brilhavam sutilmente como se fossem de cetim, com longos e largos bra?os. A veste esvoa?ava no vento que a tempestade enviava.

  As estórias sobre ele, principalmente nas antigas guerras, era algo memorável. Fora ele que liderara um grande exército de ellos e alguns drag?es contra uma grossa tropa de dem?nios que aterrorizavam os assentamentos do pontal além de Canvas, e os expulsara de lá, lan?ando suas carca?as pelas falésias do contorno, nas grandes guerras do pontal.

  As perdas dos ellos havia sido imensa, mas a grande vitória rendera um grande nome para a Casa Azul.

  Foi naqueles dias que as estórias memoráveis sobre o terrível encontro do drag?o de sombra Andor e do drag?o vermelho espinhento de cora??o sombrio chamado Tandeor foram escritas.

  Apesar da ferocidade que se sabia que o possuía quando estava em alguma batalha, ali estava ele, grandes sorrisos e gestos amáveis, seus modos amigáveis.

  O dia estava chuvoso, energizado. Relampagos riscavam o céu ao norte do vale formado pela Serra da Mantiqueira e pela Serra do Mar, onde uma chuva forte despencava e avan?ava contra a cidade.

  As grandes cachoeiras pareciam que tinham seus sons um pouco mais abafados pelo ar pesado e grosso, como se aguardassem em grande expectativa pela chuva que se aproximava.

  A mesa em que estavam, na larga varanda, estava repleta de bandejas de frutas variadas, que eram cultivadas no vale, estendendo-se as planta??es dos dois lados da cidade e pelos morros ao lado.

  - Volto já – disse Lázarus, indo-se para dentro da enorme constru??o, perdendo-se à esquerda. Seus passos eram leves e luminosos, o que fez vários dos presentes sorrirem em paz. Os últimos dias, todos sabiam, n?o tinha sido muito fácil para ele.

  Ariel se dirigiu para algumas cadeiras macias, instaladas um pouco à esquerda do círculo de bancos, onde se deixou afundar na almofada macia da cadeira.

  Estava em silêncio, desejosa de reter cada segundo daquele encontro que tanto enchia o seu cora??o. De onde estava ficou observando os outros, um sorriso perdido e abandonado no rosto. Os ellos e maniras, o rei, seus amigos, numa confraterniza??o que só poderia existir entre irm?os, cismou.

  Suspirou satisfeita.

  Os minutos escorreram, entre as vozes alegres de quem se gosta. Dois drag?es passaram quase rente à varanda e se foram e um raio explodiu além da serra, o brilho do corisco fenecendo a oeste.

  Passos e vozes felizes se aproximaram.

  Ariel se levantou, seu cora??o imenso quando viu Lázarus surgir à porta, seguido de três pessoas, os seus irm?os resgatados dos dem?nios, sorridente e feliz como poucas vezes fora visto nos últimos dias.

  - Estes s?o os meus irm?os – apresentou seguindo para dentro do círculo, tomado de orgulho, sob os olhos curiosos e alegres de Ariel e dos outros. Eles s?o Miranda, Cáliban e Trínculo.

  - S?o os seus nomes como AsasLongas? – perguntou FlorDoAr se aproximando e cumprimentando alegremente cada um deles, seguida pelos outros, com exce??o do rei e dos seus, que já os conheciam e deles cuidavam desde que haviam sido trazidos.

  - N?o! Os nomes que tínhamos naquela época lá ficaram – esclareceu Cáliban, o rosto feliz e totalmente recuperado.

  - E se lembraram do Lázarus? – quis saber ánacle, servindo-se de uma ta?a de hidromel de uma das mesinhas colocadas próxima ao externo dos bancos.

  Os três se entreolharam.

  - Infelizmente n?o! Temos apenas vagas lembran?as, como pontos grosseiros sobre nossos irm?os, porque a isso nos permitimos quando descemos nesses corpos – declarou Miranda. - Mas o meu cora??o n?o pode exprimir todo o carinho que tenho por esse que se deu o nome de Lázarus.

  - Pois vou lhe dizer uma coisa. Lembram que havia um anjo ao meu lado? Pois, se n?o fosse por ele, vocês ainda continuariam presos, e eu estaria junto com vocês. Foi ele que nos ajudou. E, o mais engra?ado é que, a própria presen?a dele p?s os dem?nios em fuga. Nem pensaram em lutar.

  - Ora, ent?o a sua presen?a era desnecessária? – perguntou Trínculo com um sorriso descrente. – Sabe, Lázarus, lembro alguma coisa de que éramos irm?os, todos nós, mas n?o me lembro disso claramente. No entanto, lhe digo que, se aceitar, quero que me veja como irm?o. A honra seria imensa.

  - A nós – interferiu Miranda. – Nos aceitar como irm?os, de novo...

  Lázarus n?o falou nada. Apenas foi de um em um, que abra?ou e beijou no rosto, totalmente enternecido e emocionado.

  - Pois eu acho que está na hora de ouvirmos uma estória – falou o rei elevando uma ta?a de hidromel. - A chuva se aproxima, já estará logo em nossos calcanhares. Os drag?es já se recolheram, e acho que devemos fazer o mesmo – orientou, as vestes se batendo com violência no ar revolto.

  Ariel se virou para o vale e viu a linda e imensa cortina de chuva despencando sobre as montanhas dos dois lados.

  Sem rodeio todos entraram enquanto os criados transferiam as bandejas de frutas, travessas de doces e bebidas para a grande mesa circular do sal?o. Assim que as portas foram cerradas o pé d’água caiu com for?a, o vento uivando e explodindo contra as paredes e vidros.

  - Adoro isso – o rei falou alto, fazendo um brinde à tempestade. - Sons de batalha no céu, boa hora para estórias de nobreza, mesmo que duras – sorriu satisfeito, acomodando-se numa cadeira e tomando uma terrina de ambrosia. Com prazer deixou ao seu alcance uma vermelha e suculenta ma?? e sua ta?a de hidromel.

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  - Sua majestade está mais que certa – sorriu Ariel satisfeita. - Agora, quero que nos contém tudo o que aconteceu – pediu, sentando-se e puxando Lázarus para baixo.

  - Nós três trabalhávamos juntos – come?ou Miranda a contar, um sorriso distante abandonado no rosto, tomando um pequeno gole de cerveja. – Nosso território era pelos lados do norte, perto do grande rio Aman. éramos mercenários – contou, a voz diminuindo um pouco o tom, transbordando vergonha. – Sobrevivência. Mas, só aceitávamos o trabalho contra os que judiavam e tentavam dominar os outros – se justificou. – Bem, fomos contratados por um lobisomem, que nos ofereceu uma gorda recompensa para que ajudássemos o seu bando contra alguns dem?nios que atacavam na área que dominavam. Quando chegamos ao local indicado, bem, n?o foram apenas quatro dem?nios que encontramos lá.

  - Soubemos depois que os lobisomens haviam nos entregado para os dem?nios como vingan?a – completou Cáliban.

  - Vingan?a? – estranhou um corpulento comandante ellos, sob os olhos atentos de Lázarus.

  - Sim... Havíamos ca?ado alguns lobisomens no ano anterior, que aterrorizavam uma aldeia de homens, na borda norte da muralha – contou Trínculo.

  Sob a aten??o de todos os presentes, os três discorreram sobre tudo o que acontecera, até o momento em que come?aram seus tormentos e em que acordaram do pesadelo, e viram um rosto que reconheciam de seus sonhos.

  A chuva engrossou e se abateu com mais for?a sobre a fortaleza, lavando as serras e enchendo as cachoeiras e o rio que cortava o vale. Ent?o, lentamente ela foi enfraquecendo, até que se desfez, deixando o ar fresco e limpo. O azul voltou e o sol se deitou sobre a terra.

  As portas foram abertas e vários drag?es e toda sorte de pássaros saíram para o ar renovado.

  Foi assim que Ariel se sentiu, vendo aquelas faces pensativas e suaves. Com ternura apertou a m?o de Lázarus, que olhava abandonado para os amplos espa?os do vale.

  Em silêncio ouviram sobre a batalha de Lázarus no deserto frígio, e de como dois anjos os libertaram e os salvaram da tormenta em que haviam se abandonados.

  Em silêncio por um bom momento todos ficaram se olhando, pensando em tudo o que fora contado, e nos pequenos detalhes que poderiam ter alterado toda a estória. Os “ses” estavam ali, em toda sua for?a. E o maior deles fora: e se Emanoel n?o tivesse atendido ao pedido de Lázarus?

  - Que estória, digna de ser contada várias vezes – brindou o rei tomado de energia e majestade, se erguendo e levando à frente sua ta?a, no que foi seguido por todos. – Akindará, meus amigos.

  - Akindará! – explodiram todos, a for?a se expandindo pelo sal?o, explodindo contra as grossas paredes e correndo pelos corredores e invadindo os aposentos.

  - Akindará – rufaram mais uma vez, tomados da euforia pelo que n?o fora destruído.

  - Por que fez isso, dessa forma, Lázarus? – perguntou Ariel, os olhos doloridos postos nos dele assim que se viram a sós, os olhos perdidos na grande cachoeira que mergulhava por baixo da longa ponte branca que se arqueava com gra?a e leveza a leste do sal?o. Apoiou-se de vez no guarda-corpo da varanda, voltando os olhos para Lázarus, tentando vasculhar a sua alma.

  - Minha família... – falou. – Descobri que a estória antiga, de quem tínhamos sido, poderia ter se voltado contra eles. Eu precisava encontrá-los e verificar se estavam bem.

  - Foi por minha causa, n?o foi? – sussurrou Ariel sentida. – Foi por causa da minha rea??o pela sua estória?

  - Sim... Mas, n?o foi culpa sua, foi minha. Você n?o tinha a estória toda.

  - Mas, agora eu tenho. Sinto por ter deixado você ir sozinho. Por que n?o chamou outros para te ajudar?

  - Ariel, eu nem mesmo sabia se iria encontra-los – esclareceu. - E, quando os encontrei, os três pediam a minha ajuda. Em silêncio me chamavam. N?o podia deixá-los nem mais um segundo naquela situa??o. Minha energia já estava ali, perto deles. Se os dem?nios dessem com ela iriam matá-los e esconder suas m?nadas em seus infernos. Eu iria perdê-los...

  - Entendo o risco, Lázarus. Mas, você deveria ter feito uma sondagem de grande distancia. Você se arriscou a deixá-los muito mais tempo naquela situa??o, além do risco imenso de acabar se juntando a eles – repreendeu com carinho. - Quando os sentiu deveria ter procurado por ajuda.

  - Eu sei... Mas, para uma emo??o t?o forte quanto a que tive, nem mesmo o tempo pode nos deixar preparados.

  Ariel o observou por algum tempo. Por fim, deixou a cabe?a pender lentamente.

  - Eu sei – sussurrou, - que teme arriscar outros por uma batalha que acredita ser apenas sua. O velho guerreiro, que sentiu muito abandono pelo tempo. Você n?o está mais sozinho. Há muitos ao seu lado, que ficam felizes com suas vitórias, e te amparam nas suas derrotas e te ajudam a seguir em frente. Olhe à sua volta. Eu sei que a maior batalha que nos foi dada pelo UM é a batalha que sempre travamos conosco mesmos. é t?o difícil aprender a li??o, que um tempinho depois vai nos parecer óbvia demais. Mas, foi o que nos demos, n?o é mesmo? E, uma grande li??o que temos que aprender, é que n?o estamos sozinhos, e que estamos aqui para aprender que, da luz ou da escurid?o, somos todos uma família só – gemeu.

  Lázarus levantou com muito carinho seu queixo, os olhos procurando os dela. Ent?o, bem devagar, encostou sua testa na dela, e se deixou assim por algum momento. Ent?o se separou, mantendo seus olhos nos dela.

  - Acho que a sua alma é muito mais velha que a minha – sussurrou. – Obrigado.

  - Sabe, o último “se” que o rei Cálibor reconheceu me deixou muito abalada. Temos que agradecer demais ao Emanoel por ter evitado uma desgra?a bem maior. Eu n?o me perdoaria se algo tivesse acontecido com você.

  - Eu sei, e ele sabe o quanto sou grato a ele.

  - Ah, Lázarus, saiba que, mesmo que tivesse caído, nunca seria abandonado. Tem Safiel, Emanoel, Yeshua e... e ánacle, e Sol e FlorDoAr e... e eu... A gente n?o ia te deixar lá – confessou num fio de voz.

  - Eu sei, minha querida, eu sei... E, acho que era isso que me deu for?as para arriscar – sorriu, puxando-a novamente pelo queixo, se perdendo num beijo demorado.

  - E, como vai ser agora? – perguntou Ariel devagar, quando se separaram. – Eles n?o v?o embora, n?o é mesmo? – perguntou, os olhos se perdendo no grupo que conversava nos bancos da varanda.

  - N?o sei, Ariel. Eles n?o me disseram os planos deles. Mas, o que me deixa mais tranquilo, é que eles n?o cair?o mais t?o facilmente em uma cilada como essa de que escaparam.

  Ariel viu quando, notando que eram alvos de interesse, eles foram se cutucando e se levantando, tomando a dire??o deles.

  - Vocês pensam em ir embora? – Ariel perguntou, quando deles se aproximaram.

  - Mas é claro que n?o... – ralhou Trínculo com suavidade e alegria se aproximando com os outros ao lado. – Agora vocês est?o ferrados. V?o ter que nos aturar – riu, sentando-se num banco de frente para os dois, examinando com aten??o a bela cachoeira. - FlorDoAr e ánacle nos convidaram para ficar com eles, na aldeia.

  - E aceitaram?

  - Sabe como é, Lázarus. Por um tempo sim, mas... O mundo é grande demais para ficar parado – riu satisfeito.

  - N?o ligue para o Trínculo. Ele sempre foi o mais descabe?ado – riu Miranda, pegando Ariel pelo bra?o e se apoiando nele.

  - E o mais doido. Leva pouca coisa a sério – completou Cáliban.

  - Ah, mas até que é um bom guerreiro, quando quer – riu Miranda.

  - Me esfor?o – Trínculo riu, entrando na brincadeira.

  - E ent?o, o que pensam fazer? – perguntou o rei ellos, se juntando a eles. – Esse mundo sabe ser cruel.

  Miranda observou os outros dois.

  - Conversamos um pouco, e acabamos entendendo porque fomos apanhados pelos dem?nios – falou, acendendo a aten??o dos presentes. – N?o digo que n?o seria fácil para os dem?nios submeterem as pessoas, mas nós facilitamos para eles, descobrimos.

  - Ora, e por que fariam isso? – Lázarus estranhou.

  - Pode parecer estranho, Lázarus, mas agora sabemos que estávamos esperando te encontrar – Trínculo falou se erguendo e se aproximando da roda.

  - Mas, vocês disseram que n?o se lembravam bem de mim. N?o foi isso?

  - N?o lembrávamos, n?o claramente, como vocês sabem. Nós conversamos muito sobre isso – Cáliban falou, os olhos passando pelos outros dois. - Havia rastros de todos os irm?os em nossas memórias, e havia uma necessidade estranha. Era uma sensa??o de uma falha, de uma falha nossa – falou, parecendo desconfortável. – Achamos que foi isso que nos enfraqueceu ante os dem?nios, e por isso caímos.

  - Ent?o, vendo você e seus amigos – interveio Miranda, - algo surgiu em minha mente, em sonhos. Sabe, eu tenho sonhos de momentos importantes. Foi assim em vários momentos terríveis e marcantes. Antes que me perguntem, sim, eu sonhei com nossa queda ante os dem?nios, mas n?o pudemos reagir a eles, porque tínhamos que passar por isso. E eu sonhei com você, Lázarus.

  - O que você sonhou com Lázarus, Miranda? – Ariel perguntou.

  - Eu vi nós três virando as costas para um anjo que nos amava, e que acabamos deixando sozinho. Havia tanta dor em nós, tanta desesperan?a, que tornava estar consciente uma tortura terrível – contou com um gemido. – E vi também que, em nossa incapacidade, naquele anjo atiramos a culpa da nossa dor, esquecendo tudo de bom que havíamos feito. Só a nossa dor egoísta que nos lan?ava como vítimas conseguíamos ver. E estávamos arrogantes, porque sabíamos que ele iria se sacrificar por nós. E quase foi isso que aconteceu, n?o foi, Lázarus? – falou, a voz frágil e cheia de dor.

  Ariel olhou os três, vendo as faces tristes e envergonhadas. Quando olhou para Lázarus, jurava que nunca tinha visto tanto carinho quanto aquele.

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