Quando ouvi falar do mal e o vi julguei que veria um monstro, ao menos em aparência. Quase nunca é assim, mas nesse caso eu estava certo.

  Ariel sentiu primeiro. Torceu o corpo no ar e se deixou cair pesada, estilha?ando uma grande rocha no centro da pequena aldeia de humanos.

  A criatura se virou, e Ariel sentiu absoluto nojo.

  Lázarus desceu ao seu lado com os olhos fixos na criatura, que os avaliava com interesse.

  Voltou os olhos para a direita, onde desciam Arrivandro e Buba. Sorriu, ao ver a excita??o que tomava o jovem drag?o: seu rabo se remexia, os olhos pregados na criatura, que n?o pareceu se abalar com os que descera.

  Ent?o lan?ou longe a mulher que tinha na garra da esquerda enquanto empurrava contra as costas a pequena centelha que tomara.

  Lázarus olhou a destrui??o ao lado e viu com preocupa??o que os humanos que fugiam, se aproximavam novamente, portando arcos e lan?as, confiantes de que, com a ajuda dos anjos e dos drag?es poderiam resgatar seus entes queridos.

  Ariel, totalmente arqueada para a frente, as espadas já ao longo das pernas, apenas olhou para Lázarus, que assentiu com a cabe?a, após ter feito um sinal para os drag?es se conterem.

  Nunca a vira t?o revoltada assim, e aceitava que essa luta fosse mais dela.

  Lázarus se empertigou, a m?o no pomo da espada, aguardando.

  A criatura era estranha, certamente um dahrar. Era muito grande, perto de uns 4 metros de altura, o corpo cheio de protuberancias, que desconfiou ser onde estocava as centelhas que capturava, e elas estavam espalhadas por todo o corpo, como se fossem intumescências ou pústulas. Olhando com mais cuidado parecia que esses calombos eram muito duros. Eles cobriam seu corpo como se fossem carapa?as.

  Ariel avan?ou com fúria sobre a criatura. A modo como ele a atingiu pareceu ser de enorme facilidade. Ariel foi atirada contra o ch?o com intensa brutalidade. O dahrar abriu garras nos dedos dos pés, tentando esmagá-la e cortá-la com um deles.

  Os movimentos de Arrivandro pareciam ainda mais nervosos, os olhos se voltado rapidamente de quando em quando para a m?e ou para Lázarus, buscando saber se já poderia entrar na batalha. Mas, obediente, apenas ficava observando, aguardando o sinal verde.

  Mais que depressa Ariel se recuperou e rolou para longe, se levantando rapidamente. Ela girou várias vezes as espadas nas m?os, avaliando agora friamente a criatura. Sabia que a fúria com que atacara fora usada contra si.

  Novamente avan?ou.

  O dahrar firmou os pés, a m?o esticando-se para apanhá-la novamente. Ariel deu um leve impulso com as asas, passando a milímetros das garras que desejavam pegá-la. Quando estava bem de frente para a cabe?a do monstro bateu forte com o pomo da espada esmeralda, enquanto a girava Nardária com extrema velocidade. O ser ainda cambaleava pelo golpe na cabe?a quando a espada decepou sua m?o.

  Arrivandro quase n?o se conteve, contagiado pela carga da a??o que se desenrolava.

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  O grito foi horrível, a criatura olhando a m?o no ch?o, o sangue negro espirrando do punho. Com um passe apressado estancou o sangue enquanto corria contra a vigilante, agora todo tomado de fúria.

  Ariel saltou de lado, a garra do dahrar abrindo um sulco na armadura, tingindo o rasgo de vermelho, que ela ignorou. Ainda ajoelhada se virou para o monstro que estava de costas. Com a esmeralda, em frenéticos movimentos, cortou várias vezes o lado interno do joelho do monstro. Ela rolou com velocidade quando o dem?nio levantou a perna esquerda para chutá-la. Aproveitando o movimento do chute Ariel estocou com a Nardária, que entrou por todo o pé. Com for?a puxou-a para baixo, separando-o em dois. Ao tentar se apoiar nele o dahrar gritou e tombou dolorosamente.

  Sem pensar, de modo frio e tranquilo, Ariel saltou, as duas espadas entrando pela nuca dele, até os cabos.

  Sem se aguentar, tomado de adrenalina, Arrivandro urrou forte, as narinas vermelhas de prazer e poder, sob o olhar orgulhoso da m?e. Eles bem sabiam que ela os acompanhava para que o filhote aprendesse, n?o para combater, ainda.

  Allenda olhou para Lázarus e os drag?es, o cansa?o satisfeito agitando seu peito.

  Enquanto a criatura caia ela guardou as espadas e sacou uma adaga.

  Ent?o, metodicamente, sob o olhar tranquilo de Lázarus, tranquilamente parado com as m?os dadas à frente do corpo, e dos drag?es que n?o tiravam os olhos dela, passou a cortar cada uma daquelas protuberancias. Quando a primeira pústula foi rasgada uma m?nada de um amarelo dourado emergiu rapidamente, como se estivesse desesperada pela liberdade. Ent?o mais e mais, a cada protuberancia que era rasgada.

  Muitas delas n?o partiam, mas ficavam ao lado, novamente penetrando nos nichos pestilentos, mostrando que estavam ali por vontade própria ou dependência.

  Ao terminar de rasgar a última protuberancia Ariel se afastou do corpo e se postou ao lado de Lázarus e dos drag?es, sob os olhares agradecidos dos humanos que sentaram-se em silêncio, fazendo um arco à frente deles.

  Os olhos deles estavam no corpo e nas centelhas cujas mentes haviam sido dominadas profundamente que, percebendo que aquele corpo que n?o chamavam de pris?o já n?o tinha mais vida, dele se afastavam contrafeitas.

  - Essas centelhas que partem contrafeitas apenas haviam feito uma escolha. Era a escolha delas, é a experiência que elas desejam – falou Lázarus, tentando confortá-la.

  - Eu sei, Lázarus, eu sei. Que bom para eles – sorriu por fim se virando para os homens enquanto Lázarus se adiantava e examinava o cadáver.

  Vendo a excita??o do filhote Lázarus pediu autoriza??o para a m?e, que a concedeu. Nem bem terminara de sinalizar com as m?os para o filhote tomar o dahrar, ele já se adiantara e, com a boca, o levantava do ch?o, aguardando pela decis?o do vigilante.

  - Vou tirá-lo daqui e dar a essas m?nadas que ainda n?o querem abandonar o corpo um outro lugar onde sua carne poderá ser consumida e as centelhas terem seu tempo para pensarem. Volto logo!

  Abriu de súbito as asas e se foi com os dois drag?es, o filhote levando o corpo consigo.

  Quando voltaram estavam tranquilos. O filhote se mostrava orgulhoso da proeza que realizara.

  - Nós o colocamos num lugar sombreado, perto de um regato, bem ao norte daqui – contou, a voz em paz. – Quando Arrivandro – frisou, para orgulho do drag?o – colocou o corpo sobre as folhagens duas m?nadas emergiram e se foram, a luz delas aumentada enquanto se iam.

  - Deve ter sido bonito de se ver – falou Ariel, baixinho. – Estavam dominadas?

  - Como saber quem dominava quem? Pode ter come?ado com uma centelha que corrompeu um dahrar, porque queria aquele tipo de experiência. Vá lá saber.

  - Pensando assim, que importancia tem, n?o é mesmo? Talvez pudesse mesmo haver um acordo entre as partes. Ent?o, Lázarus, que diferen?a fizemos? Se isso for verdade, eles ir?o procurar outros, e a situa??o vai acontecer novamente.

  Lázarus ficou em silêncio, pensando, a vista se deixando abandonada nos afazeres das pessoas em volta, que de quando em quando os olhava e sorriam, felizes e tranquilas e na paz que agora tomava os drag?es, ambos deitados ao lado.

  - Sabe que n?o é assim, n?o é mesmo Ariel? Olhe à sua volta. O mínimo pensamento que temos causa uma diferen?a... – falou puxando-a para a aldeia, onde as pessoas haviam providenciado uma fogueira rodeada de bancos e um largo espa?o para os drag?es.

  As conversas flutuavam alegres como as fagulhas da fogueira, tentando chegar à lua que passeava pelo céu daqueles rinc?es antes t?o tristes e assustados.