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NÃO SEJA ASSIM

  Eu sinto no ar, eu sinto na água, sentindo-as como promessas. As vozes das montanhas que correm entre as árvores, se s?o delas ou do vento, ainda n?o sei, mas elas sabem tocar no cora??o.

  - Mas, Mulo, eles me salvaram. N?o sei quem s?o, mas eles me salvaram. Eu fui atingida e devo ter ficado desacordada, por isso n?o me lembro de mais nada. Você os atacou mesmo? A vigilante e o anjo? – perguntou tomada de preocupa??o.

  - Eu pensei que eles estavam ca?ando – Mulo se justificou. - Lembra daquele caído e daquela dêmona que tentaram te matar? Eu pensei que eles...

  - Eu entendo, mas nem tudo no mundo é mal. Há aqueles que se preocupam com os outros, e n?o com uma pessoa só.

  - Fala de mim? – ele a olhou, a pergunta lhe parecendo importante.

  - Dizem que há aqueles que se preocupam apenas consigo mesmos, com suas necessidades. Esses s?o os que se amam, apenas. Há aqueles que descobrem que amam a família, e esses s?o melhores. E há aqueles que amam todos os homens, e pessoas, e esses fazem a diferen?a. Mas há aqueles que amam toda express?o da vida, e esses s?o...

  - Como deuses – ele amea?ou um sorriso.

  Ela o observou, presa naquele sorriso que acalmou e iluminou seu cora??o, o primeiro que o vira dar. Era o sorriso mais tímido, mas o mais incrível que já vira. Talvez, por ter sido guardado por tanto tempo, tivesse aquela maravilhosa luz.

  - Sim, como deuses – ela suspirou. – Porque só o Trov?o tem essa simplicidade, entrega e... humildade.

  - Eu entendo, e pe?o que me desculpe – falou se virando para o lugar onde, horas antes, pensara ter defendido quem lhe era t?o caro. – Eu acho que tenho que encontrá-los e me desculpar com eles.

  - E como espera encontrá-los?

  - Eu tenho um poder, sabe? Eu posso me ocultar, me esconder até mesmo de alguns anjos e dem?nios.

  - Foi assim que sobreviveu tanto tempo? é assim que surge de surpresa? – ela perguntou, os olhos de luz, adorando ver que ele lhe contava seus segredos, que talvez nunca contara para ninguém mais.

  - éééé – ele suspirou. Em seu íntimo uma esperan?a florescendo. Sabia que ela teria vida curta, mas só de saber que ela estava ali, que podia se deixar cair naquele novo mundo, lhe dava mais energia e iluminava aquela parte do seu mundo de que tanto medo tinha. – E eu posso levantar essa cortina. Ent?o, se eles estiverem me procurando, ir?o me achar. O que acha?

  Stolen from its original source, this story is not meant to be on Amazon; report any sightings.

  - Acho que devemos deixar as coisas se aquietarem um pouco. Vamos dar um tempo para que eles curem suas feridas.

  - E por que? Posso... Eu posso me virar com eles. Quando me ouvirem...

  - Mulo, eles n?o s?o anjos quaisquer. Eles s?o anjos de guerra. Eles s?o guerreiros, e ele parecia o mais terrível deles. E, como agravante, você atacou a vigilante. No pouquíssimo tempo que os vi juntos, ela é mais do que uma companheira de armas...

  Mulo tirou os olhos dela, pondo-os acima da copa das árvores. Sabia que eles eram poderosos, mas n?o podia deixar de lembrar que os vencera com enorme facilidade, como sempre vencera os outros. N?o tinha medo, n?o podia aceitar o medo.

  - N?o os temo, Valentina. Eles ir?o me ouvir.

  Mulo estava disposto a partir, mas algo na atitude dela o fez parar. E, parando, sua energia amainou e sua alma entrou em paz. Ele baixou os ombros e sentou-se novamente ao seu lado.

  - Mulo, sou ainda muito jovem, mas a velhice do que digo vem de seres que já viveram muito. Rea??es de enfrentamento e for?a sempre ir?o fazer o muro da vida se tornar cada vez mais rígido, rea??o sempre num crescendo, até que ele tombará pelo seu próprio peso, destruindo tudo que esteja ao lado. N?o é isso o que quero para mim.

  Mulo a observou, a alma quieta, pensativa.

  - Pede ent?o que eu me afaste?

  Valentina suspirou demorado, os ombros pesados. Ent?o lentamente levantou os olhos. Havia tristeza, mas ela n?o parecia abatida. Ela estava determinada, confiante.

  - é o que eu estou pedindo. N?o quero a raiva e o ódio em meu caminho ou ao meu lado. N?o quero a dor e a desconfian?a tirando a paz do meu dormir. Eu quero a luz e o brilho na água, quero ouvir a chuva caindo mansa ao longe, quero... os sorrisos, quero a for?a do bem querer. Se for preciso empunhar a espada ou o arco, tenha certeza de que os empunharei, mas somente para proteger a mim, aos que amo e à vida. N?o posso aceitar menos que isso...

  Mulo se levantou, os olhos ao longe, imaginando uma chuva tamborilando nas folhas enquanto ele, sem qualquer tipo de receio ou medo, apenas se permitiria sentir-se feliz enquanto ela avan?aria. Sorriu por dentro, vendo como aquilo se fizera em bela vis?o e futuro a desejar.

  Voltou os olhos para Valentina, que tinha a cabe?a baixa e parecia pensativa e triste. A aura dela n?o estava com toda a luz que sempre tinha.

  - Sabe, purumana, nunca acreditei no UM. A vida sempre me tratou de forma cruel, e agora me pergunto se n?o fui eu que a fiz ser assim comigo, como você acabou de me mostrar. Tenho certeza de que, se o UM existe, era você que ele procuraria colocar no meu caminho. Você é uma maravilhosa humana, e t?o nova e velha que, espero, me deixe caminhar ao seu lado. A vis?o que deseja se fez cara ao meu cora??o também.

  Valentina levantou os olhos, enquanto se erguia.

  Mulo n?o conseguiu segurar um de seus raros sorrisos. A luz dela estava t?o incrível que n?o desejou que se fosse, nunca mais.

  Com extremo cuidado p?s as m?os em seus ombros e a puxou para si. Nunca experimentara nada como aquilo: o toque daquele corpo, que abrigava uma alma como aquela, encheu tudo o que era, e soube, ent?o, que n?o precisava mais ter medo das sombras que carregava.

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