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O SACRIFÍCIO

  Eu devo ter ido longe demais, e agora o que sou me assombra.

  A comitiva se defendia contra o ataque de alguns mantas e sombras que invadiam aqueles lados, empurrando seus bonecos.

  Allenda gritou feliz quando viu Uivo saltando da floresta, logo se perfilando e lutando ao lado deles. Rapidamente passou os olhos pelas duas figuras femininas e uma masculina que vira surgir ao seu lado, todos em fogo, montados em incendiados queixados.

  Sorriu, vendo que eram majestosos aqueles animais.

  Sem poder se segurar soltou um grito selvagem e alegre de poder.

  Com energia renovada aparou um golpe pesado, e viu que os recém-chegados rapidamente partiram para um lado, onde o ataque parecia mais agressivo.

  - S?o bruxos – sorriu mais animada com um refor?o daqueles, vendo como os três trabalhavam magicamente com o fogo, fazendo dele esferas explosivas ou línguas de fogo que varriam a área em torno deles. – S?o anaqueras e caiporas – sorriu maravilhada. Ent?o voltou novamente a aten??o para a batalha, sempre sondando onde Uivo estava.

  De vez em quando se encontrava com Uivo, e ela sorria feliz ao vê-lo lutando como pumacaya ao seu lado.

  Tudo estava bem, e logo a batalha terminaria. Ainda havia muitos deles, mas eles diminuíam visivelmente.

  Tudo parecia bem, até que dois sombras se abateram sobre Allenda.

  Allenda até conseguiria se defender de um, mas dois a estavam minando rapidamente.

  Quando Uivo se virou para ver o que estava acontecendo com ela, ele urrou em desespero.

  Adanu, que corria para ajudá-la ficou horrorizado, vendo um deles, num arranque, se enrolar nela. Ainda estava tentando assimilar aquela vis?o quando os dois sombras come?aram a puxá-la para cima.

  Adanu olhou para trás ao ouvir gritos terríveis e apavorados, vindo para o seu lado.

  Enquanto corria na dire??o de Allenda virou o rosto para a direita e o viu. Uivo avan?ava como um alucinado, seu corpo de puma se revolvendo e se escondendo rápida e raivosamente em espessas sombras, farpas longas e terríveis se alongando velozmente para o alto.

  O impacto foi violento. O sombra que carregava Allenda foi impedido de subir e afastado do outro pelas farpas, que lentamente iam rasgando-o, enquanto ele guinchava de dor.

  Adanu parou, desesperado por Allenda, temendo o imenso dem?nio que parecia possuído de urgência e de uma violência desmedida. Em silêncio ficou olhando para o alto, rezando para que o dem?nio enlouquecido poupasse e trouxesse sua filha com vida.

  Foi ent?o que viu o que Allenda vira no outro dia. Uma penugem escura, que deveria ser feita de dor e medo, escapava do sombra, e era imediatamente sugada pelas sombras do dem?nio, que parecia ficar ainda mais apavorante com esse novo suprimento.

  Com horror viu quando esse dem?nio, que segurava o sombra que escondia Allenda, foi atacado por farpas que como uma boca de dentes afiados se prendiam em seus lados, abrindo-o lentamente, enquanto o for?ava para baixo.

  E novamente pode ver as sombras de medo e dor que ele sugava.

  Quando tocaram o solo o dem?nio abriu o outro de súbito, libertando Allenda, que caiu com um gemido dolorido no solo.

  Com um urro estranho e profundo de ódio, o dem?nio estra?alhou rapidamente o sombra.

  Adanu, parado a alguns metros da cena terrível, examinou o redor, procurando identificar qualquer outro perigo que estivesse indo contra sua filha.

  Foi com uma dor imensa que viu o dem?nio se virar para encarar, a ele a parte da comitiva que estava mais próxima. Havia no dem?nio desafio, havia desprezo e ódio, as sombras se revolvendo nervosas como se tivessem vida própria.

  - Ninguém se aproxima – Adanu ordenou, os olhos postos no dem?nio e em sua filha.

  Adanu estranhou quando três pessoas se perfilaram ao seu lado, montados em seus queixadas. Eram as duas mulheres e o rapaz que haviam vindo com Uivo, reconheceu, como reconheceu uma aura diferenciada de poder neles.

  E eles se mostravam extremamente calmos, observando o dem?nio.

  Ent?o Allenda gemeu.

  Adanu foi impedido pelos outros de se aproximar do dem?nio, que se voltara depressa para Allenda. Apreensivos viram quando ele ficou atento a um ferimento em seu lado, possivelmente feito quando o dem?nio a perfurou com seu espor?o envenenado.

  Adanu gritou de raiva, se inflamando e se preparando para ir contra o dem?nio que penetrava o ferimento com uma das farpas, imaginando que o dem?nio estava sugando a energia dela como fizera com os dois dem?nios.

  Todos se prepararam para enfrentar o dem?nio quando ele se virou para encará-los, os olhos maldosos e desafiadores no pequeno grupo.

  - Ele a está amparando – ouviu a estranha mulher mais velha falar com muita calma, e até com um certo prazer, ao ver a apreens?o que varria os que observavam o desenrolar daquela cena. – N?o ponham tudo a perder – alertou com a voz tomando uma nota imperiosa.

  Tenebe, que a observava, viu que ela acabara de usar uma voz de comando que só um bruxo saberia como usar.

  Sorriu satisfeito.

  Com a batalha ao lado tendo se encerrado, lentamente todos foram retornando, formando uma linha à frente do dem?nio, confusos com o que viam.

  Itanauara, ciente da linha fina que impedia Adanu de atacar o dem?nio, pois temia que ele, ao se ver atacado pudesse dar cabo de Allenda rapidamente, se postou ao lado de Adanu, no momento de ouvir a observa??o da bruxa. Assim alertada rapidamente entendeu o que estava acontecendo.

  - Ela está certa. Olhem, ele n?o a está matando, ele está tirando o veneno. é o veneno que ele está tirando dela – gritou tomada de urgência.

  Ao ouvir isso, Adanu se mostrou confuso. Com o cora??o apertado prestou aten??o no que o dem?nio fazia, adiantando um pouco o rosto, os olhos em fresta. Suspirou aliviado ao ver que, realmente, do ferimento da filha algo saia, como uma gosma fina e negra. Allenda gemeu de dor, e arriou pesado quando a gosma escura foi toda retirada.

  Nesse momento o dem?nio, que mantinha todos sob aten??o, levantou o rosto para a face dela.

  O dem?nio ficou ainda algum tempo, imenso ao lado dela, parecendo indeciso sobre o que fazer.

  Ent?o, após descer sua cabe?a com imenso carinho ao ch?o, subitamente apenas sumiu no ar.

  II

  - Você n?o pode deixar isso acontecer, Uivo – Allenda estava irritada.

  - Mas, você estava em perigo. Ele estava te matando – justificou.

  - E se eu tivesse mesmo morrido, se você n?o tivesse conseguido me salvar, o que seria? – sua voz estava cheia de dor e desespero. – O que aconteceria com você?

  Adanu tirou os olhos dos dois, tal como os outros da comitiva.

  Em seu íntimo sorriu, ao saber até onde Uivo iria para manter sua filha a salvo, mas se recolheu, temendo pensar nas consequências se em algum momento ele falhasse nisso. No entanto, agora ouvia isso da própria filha, mostrando bem o desespero que ela tinha na alma.

  Em silêncio colocou uma m?o no ombro de Tenebe, que tinha a cabe?a arriada, quase tocando o ch?o.

  Havia dor demais ali.

  Uivo olhou para os lados, para as serras que se afundavam para o horizonte como um oceano suave.

  Ali estava toda a dor e apreens?o, toda a inconstancia do futuro, a luz e a escurid?o, e tudo só dependia de uma decis?o firme de sua parte. Mas, era quando o dem?nio surgia que tudo se revolvia e os significados antes t?o claros se perdiam. Como poderia fugir da armadilha? Sabia bem que o mundo do dem?nio era uma ilus?o, mas, como fugir dela quando, como dem?nio, era toda a realidade que tinha?

  - é bem provável que eu ficasse parecido com um dem?nio sobre o qual sussurram, escondido sobre as montanhas – murmurou muito baixinho. – Eu faria de tudo para n?o ser perigo para ninguém.

  Allenda baixou os olhos, as lágrimas escorrendo suaves de seus olhos, sem fogo, sem calor, mas apenas dor e amor.

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  - Uivo, Uivo, meu querido Uivo. Olha, eu sei que posso viver com a dor de continuar sem você, porque o amor que lhe tenho é... imenso demais. é nele que eu continuaria – murmurou, os olhos cheios e amorosos nele pregados. - Mas você tem um dem?nio dentro de você, essa escurid?o confusa e perdida, cheia de ilus?es que lhe tira as esperan?as, que fica lhe gritando sem descanso que n?o vai conseguir, e que sempre tenta te arrastar para as velhas e escuras masmorras. Esse dem?nio n?o tem raiva ou ódio, ele é feito de puro medo. Gostaria de repartir essas trevas com você, meu amor, mas... só o que me sobrou é te empurrar, e ficar sussurrando no meio de seus tormentos que eu sei que vai conseguir vencer essa batalha terrível.

  Uivo levantou os olhos e passou-os pela comitiva, e ent?o os voltou para Allenda. Havia um desespero ali, um pedido intenso de esperan?a. Ent?o ficou se perguntando por que ela era t?o importante para ele, t?o desesperadamente importante para ele, ao ponto de ter a certeza absoluta de que, sem ela, acabaria como um dem?nio de que muitos já ouviram falar, que fica solitário sobre as montanhas, louco e repudiado, murmurando coisas sem nexo, tendo como companhia apenas as pequenas flores que cria, mesmo sem saber. E seus olhos viram os olhos dela, e eles o encheram de luz. Amor, sua alma sussurrou. Observou seu cora??o, e ali também estava, e sabia o quanto amor e ódio eram a mesma coisa, um sentimento de mesma intensidade.

  - Amor, Allenda...

  O rosto dela parou, os olhos vasculhando os seus, tentando entender o que ele falara. Algo se alterara em Uivo, ela percebeu claramente, como parece ter acontecido com Tenebe, porque agora ele estava com a cabe?a erguida, atento a Uivo.

  > Eu vejo você, Allenda, e agora entendo como você dá paz ao dem?nio que sou. O amor faz isso – sussurrou. – Eu estava tentando enfrentar, vencer essa natureza. Mas, n?o é isso, n?o é assim que ele se aquieta e se prende em alguma flor do caminho.

  - Se lutar contra essa sua natureza só a fará crescer – ela falou, os olhos agora luminosos presos nos dele, as m?os avan?ando e tomando as dele entre as suas. – Amor e respeito, de sua parte, pela sua face escura...

  Tenebe, maravilhado com o que ouvira, virou-se para Adanu, que assistia tudo em paz, com um sorriso pequeno rosto.

  Respeito e amor, Uivo cismou com dor, ainda podendo sentir o prazer terrível do dem?nio ao se alimentar do medo e horror daqueles que destruía.

  > Me contaram que você estava novamente se alimentando da energia escura. N?o pode fazer isso, Uivo – ela gemeu, ansiosa para que ele entendesse isso.

  - Eu entendo, Allenda, realmente eu entendo. E, tenho certeza, que ele sabe que para ser forte n?o precisará mais do medo e da dor. Sei que ele encontrou algo bem mais forte. Você, Allenda, é a armadilha de fogo que trago no meu peito, que apenas refor?a o que sou.

  Allenda respirou fundo e for?ado, o seu cora??o batendo forte.

  - O que você disse, agora, é o início da compreens?o, mas continuam como s?o, apenas palavras. A grande verdade aqui, Uivo, é que eu n?o posso e n?o aceito ser a sua fraqueza. Eu tenho que ser a sua for?a...

  - E como pretende...

  A fúria com que ela atacou foi surpreendente. A adaga em brasa atingiu seu lado. Pego de surpresa o pumacaya assomou num átimo.

  - Ai, ai... – gemeu Adanu desconsolado. – Mas, por que ela n?o para com isso? é por divers?o, Tenebe? – perguntou totalmente desconsolado.

  - Tem que ter algo de divers?o nisso sim, sem dúvida – sussurrou assombrado, se ajeitando para o lado quando os três bruxos que viera com Uivo se sentaram ao lado deles, atentos à luta dos dois.

  - Sempre assim? é assim eu eles mostram que se amam? – riu a mulher mais velha. – Ah, meu nome é Canvas, e sou uma bruxa – se apresentou ainda sorridente. – E esta é a minha filha, Trília e este é o meu filho Túnis. Trília é a mais nova – apresentou, sem tirar os olhos do que se desenrolava um pouco à frente.

  - Anaquera e caipora? – perguntou Tenebe.

  - Anaquera e flor-do-fogo – respondeu Canvas, a voz distante, admirando o combate dos dois.

  - Prazer – responderam os dois com lentid?o, meio aéreos, também atentos à Allenda e à Uivo.

  - O prazer é nosso – Trília respondeu do mesmo modo disperso, um sorriso pendurado no rosto.

  Com interesse viram Allenda ser suspensa no ar antes de ser rudemente lan?ada para longe.

  Adanu e os outros se levantaram.

  - Tenebe, as sombras est?o também no pumacaya. Acho que foi isso que a Allenda viu – Adanu gemeu, todos sentando-se novamente. – O dem?nio avan?ou um passo...

  - Observem – avisou Trília. – N?o deixem seus olhos enganarem vocês.

  Tenebe observou a garota, um sorriso no rosto. Ent?o se voltou novamente para a contenda.

  Uivo se esquivou das setas disparadas pela flor-do-mato, momentos antes de ser atingido duramente por Allenda, que avan?ou ligeira e o socou violentamente contra o ch?o.

  Uivo se virou e a lan?ou no ar.

  Nem bem ela tocara no solo já estava em pé. Com uma fúria desmedida ela incendiou uma pesada tora de madeira e a atirou contra ele. O impacto foi violento e ele sentiu o golpe, o pelo se crestando enquanto permanecia embaixo da madeira em chamas. Abanando com violência a cabe?a apoiou as m?os no tronco e o impulsionou para longe. Com um salto ergueu-se no momento exato em que Allenda se aproximava veloz. Num movimento simples esquivou-se do golpe flamejante se agachando, ao mesmo tempo em que passava por trás dela e, ignorando a dor, agarrou seu pesco?o por inteiro e o apertou, enquanto a outra m?o apoiava-se em sua coluna e enfiava as garras em sua cintura.

  - Uiiiii... – Trília gemeu, como se tivesse sido ela a atingida.

  Allenda se debateu com ferocidade. Com um movimento determinado e fulminante tomou uma de suas flechas e a enfiou em seu bra?o. Ele urrou de surpresa e dor e a soltou.

  - Nossa... é bom demais isso... – sorriu Túnis. Adanu o observou, e abanou a cabe?a um pouco desconsolado com a juventude.

  - Você n?o é o dem?nio, você n?o é isso... – xingou, se apoiando nas pernas e se preparando para novo embate.

  - E dem?nios n?o s?o pessoas? – ele perguntou com um riso malicioso no rosto.

  - S?o, mas n?o você. Ninguém sabe o que você é de verdade, e aposto que nem mesmo você sabe. Mas eu sei que você n?o é o dem?nio que acredita ser.

  - Está errada... Eu sei quem sou. Gostar ou n?o disso, sou eu que decido.

  Com um safan?o quebrou a flecha e se preparou para atacá-la. Ela se posicionou para aguentar o contra-ataque.

  - Quando envolve a mim também, essa decis?o também é minha – vociferou.

  Em silêncio ouviram passos sobre as folhas do caminho. Quietos, os dois aguardaram por Ybynété, que olhou os dois com indiferen?a e um certo divertimento.

  - Vocês ainda v?o se matar. Pelo Trov?o... N?o s?o mais curumins para ficarem se divertindo assim – brincou entre sorrisos, se afastando na dire??o dos outros que o olhavam espantados.

  Allenda ficou meio sem-gra?a, relembrando os modos divertidos de Ybynété.

  - Hum, sabe... N?o quero mais lutar contra você e acho...

  Uivo n?o conseguiu terminar de falar. Das quatro setas disparadas em sequência duas atingiram seu ombro. Por entre a dor a viu disparando contra si, os olhos vidrados, totalmente concentrada.

  Aproveitando-se da confus?o de Uivo Allenda o atingiu rudemente no est?mago, mandando-o contra uma grossa árvore.

  Com um galeio brusco Uivo se levantou e retirou as setas, os olhos duros postos nos de Allenda.

  - N?o sou seu inimigo...

  - Você acha que n?o, dem?nio. é inimigo do que espero... Ent?o, enquanto n?o se controlar será meu inimigo – falou avan?ando novamente contra o pumacaya.

  Allenda viu o movimento de Uivo para bloqueá-la. Com uma ginga rápida escorregou de joelhos em sua dire??o e girou no ch?o, uma seta cravando na coxa de Uivo. Assim que se al?ou por trás dele, pegou outra seta, buscando cravar no ombro do oponente.

  Mas a ponta atingiu algo estranho, uma neblina espessa que parecia uma coura?a.

  Nesse momento até mesmo os três bruxos, que estavam tranquilos, se tornaram mais atentos e preocupados. Eles bem sabiam o perigo daquele dem?nio.

  O grito morreu na garganta de Allenda quando se sentiu presa em sombras, que pareciam dispostas a dar cabo de sua vida.

  Inflamando-se com violência conseguiu esticar um bra?o e atingir a lateral de Uivo, que a lan?ou longe.

  Allenda observou com desdém os ferimentos de garra em seu flanco.

  Sem aviso correu na dire??o do dem?nio, que a colheu no ar e a prensou contra uma parede de rochas. Allenda se remexeu, tentando se libertar, mas quanto mais ela se esfor?ava mais era prensada, e a dor aumentava. à frente os olhos vermelhos envoltos em neblina cinza, encaravam-na curioso.

  - Você venceu – o dem?nio capitulou, soltando-a com suavidade, um sorriso triste e abandonado na cara de sombras. – Fa?a o que pretende... – falou naquela voz cavernosa e solitária, que parecia ecoar dentro de uma caverna profunda.

  Allenda sorriu, a m?o buscando uma nova seta.

  Com movimentos lentos tirou-a do alforje e a pressionou no pesco?o de Uivo, agora um pumacaya, que apenas a olhava, em paz, tranquilo.

  Allenda titubeou, os olhos presos nos dele. E ent?o viu o nefelin, um puma e um dem?nio suave, todos os três juntos e mesclados, os olhos gentis observando-a de volta. Ele n?o lutaria, soube, nem mesmo pela sua vida. E saber disso a confundiu e fez a dor no peito aumentar, juntamente com uma esperan?a que fez seu cora??o se tornar maior.

  Bem devagar voltou com a seta para o alforje. O silêncio era grande, a brisa tocando suave as folhas das árvores e o alto capim além.

  Ybynété se refestelou no ch?o, mascando uma haste de capim, mantendo os dois sob um tranquilo e divertido olhar.

  - Deixe o meu Uivo em paz, dem?nio, ou seja ele como quero que seja, completo como ele é, com ou sem a minha presen?a – falou num fio de voz. – Eu respeito você, eu vejo você.

  - N?o pode exigir que eu aceite a vida sem você, Allenda...

  Allenda sentiu seu cora??o ficar imenso. Ali, na sua frente, Uivo n?o era mais só o Uivo. Ali estava o nefelin, o pumacaya e o próprio dem?nio, misturados. E havia amor em todos aqueles olhos.

  Tomada de alegria se abra?ou forte nele, sentindo sombras gentis ro?ando em sua pele, uma garra tocando suave em seu rosto, e a respira??o suave de Uivo.

  - Eu sei, Uivo, eu sei.... Mas precisamos aprender isso, eu e você. N?o podemos aceitar nos destruir se o outro n?o estiver ao lado...

  Uivo afastou o rosto um pouco e a olhou com suavidade.

  - Ainda estou aprendendo, Allenda.

  Allenda sentiu um nó na garganta. Realmente estava pedindo algo a ele, exigindo dele algo que ela n?o faria para si. Mas que outra forma tinha para protegê-lo dele mesmo? Comparada a ele ela era como uma neblina na serra, enquanto ele era a própria serra. A fragilidade dela gritava que o maior risco era dele, e n?o dela. Ent?o, ele tinha que aprender a se defender, até mesmo da falta dela.

  - Eu preciso de você, Uivo. Nefelin, pumacaya, dem?nio, n?o importa. Enquanto você n?o se fortalecer me deixará fraca.

  Foi ent?o que Uivo olhou para seu bra?o. As garras, o bra?o, o dem?nio, todos se revolvendo como se fosse uma pintura movedi?a.

  Sorriu, voltando a ser apenas Uivo.

  - Deixemos o tempo ao tempo. Cada dia um novo dia. N?o queira me ensinar a viver sem você. Dê paz ao dem?nio que sou, e ent?o ele poderá se mostrar. Eu sou ele, Allenda, e você é a for?a e a energia que o refaz e renova. Sabe, ele n?o é dependente de você, e nem mesmo eu sou; ent?o, n?o há por que se sentir responsável por mim. Eu fa?o o meu caminho. Você, Allenda, é feita de todas as cores que o Trov?o usa para pintar o meu caminho e que tem a magia de sussurrar em mim que tudo vai ficar bem. Confie... – se despediu afastando-se colina abaixo, pelo caminho de onde tinha vindo.

  Allenda ficou ali parada, abandonada, cismando, olhando as sombras se alongando pelos caminhos que o seu dem?nio tomava. Em paz desejou uma luz intensa em suas trilhas.

  Allenda se virou e sorriu por entre a sua tristeza para o pai que os vigiava de longe, da beira do acampamento, vendo que os outros da comitiva retornavam para o acampamento, acompanhados de um silencioso humano e três bruxos, que pareciam estar muito à vontade com eles.

  Como se estivesse cansada demais caminhou até Adanu. Sorriu com carinho e abra?ou o pai com for?a.

  - Ah, pai... - gemeu. – N?o sei o que fazer para ajudá-lo a vencer isso.

  - Pois eu vi... – Adanu afagou com carinho demorado o ombro da filha. – Eu vi tudo o que ele é se manifestando, em paz. E eu vi também que ele estava como dem?nio quando se entregou a você - falou com um sorriso nos lábios, enquanto levantava o rosto da filha. - Tenho certeza de que ele vai vencer o dem?nio, como a m?e dele venceu um dia. Você vai ver... Mas, filha, acha que instigando seu lado ruim o ajudará?

  - N?o há outra forma, pai. Quando o dem?nio o toma é o momento certo para ajudá-lo. Eu preciso estar ao lado dele quando o dem?nio tentar tomá-lo...

  - é muito arriscado... – sofreu, agradecendo a presen?a de ArrancaToco e FuraTerra

  - Eu aceito isso, pai... Preciso... De que outro jeito a vida terá sentido? – perguntou, se apertando mais em Adanu. – Eu quero o meu Uivo comigo – sussurrou, a voz baixinha e sentida, sentindo o carinho dos dois queixadas e do pai, que pensavam os seus ferimentos.

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