Vejo a escurid?o em mim e nos outros, até mesmo em toda a vida que toco com os meus sentidos. Ah, mas é a luz que me cativa e que me enche de inimaginável encantamento.
Uivo já vinha sentindo sua presen?a de longa distancia. Sua identifica??o estava difícil, o que o levou a acreditar, por um curto período, se tratar de um anjo ou de um dem?nio. Em um momento se perguntou se n?o seria o dem?nio que o ca?ava. Por fim, viu que n?o era ele. Em seu íntimo, sentia que era algo diferente.
Ent?o, n?o muito certo das inten??es da criatura, caminhou diretamente para um setor isolado onde poderia se defender, e atacar, sem que houvesse qualquer risco a outros.
Durante um bom tempo ficou aguardando, sentado numa pedra de onde podia ver o cocuruto de um grande monte pedregoso, bem além do qual se encontrava a comitiva. De repente, enquanto passava os olhos pelas imedia??es, notou que havia um setor da floresta que os pássaros e bichos estavam mantendo sob vigilancia distante.
Se virou para o lugar ostensivamente, sinalizando que já tinha conhecimento de sua presen?a.
Ent?o viu algo se adensar, e na hora percebeu o perigo em que se encontrava, e tudo o mais que cercava aquele lugar. Olhou para o monte, se recriminando por n?o ter procurado um lugar bem mais distante.
- Sei o que se pergunta, e a dor que te ronda se torturando por n?o ter ido para um lugar mais distante dos seus amigos – ouviu aquela voz estranha que parecia t?o perto de si enquanto o juguena se aproximava como uma neblina escura, em curtos e suaves arranques.
- E estou certo? – perguntou reconhecendo com surpresa ser a damia LuaEscura, o que n?o o deixou muito tranquilo, por n?o conhecer com certeza o que a movia.
Uivo ficou ainda mais tenso ao ver a criatura parar e se virar para onde estava a comitiva, cismando sobre ela. Ent?o relaxou ao ver que ela n?o demonstrava qualquer interesse por aqueles lados.
- N?o, n?o está certo. Eles n?o me interessam, e nem você, pelos motivos que pensa.
Uivo a olhou confuso, apenas se acautelando enquanto ela voltava a se aproximar.
> Sabe, prefiro que se podere em dem?nio. Me sentiria bem mais confortável – pediu, parando à curta distancia. – Ao menos nesse primeiro momento.
Sem qualquer palavra Uivo se poderou, envolvendo-se em neblina que passou a enrodilhar em torno de si, como uma amea?a velada.
Estranhamente notou que o ser pareceu realmente ter ficado bem mais tranquilo, voltando a se aproximar.
Ent?o, a poucos passos de distancia parou, os olhos fixos em Uivo.
> Estar na presen?a de seres humanos ou qualquer outro ser é muito inc?modo, e às vezes, até mesmo doloroso. Sabe, fome, desejos...
- Veio me atacar, LuaEscura?
- N?o vim com essa inten??o. Lhe dou minha palavra – sorriu, tomando a mesma forma da juruparináh do encontro anterior.
- Ora, agora fico mais tranquilo. Você acaba de empenhar sua palavra – sorriu.
Ent?o Uivo amenizou a forma do dem?nio, deixando-a bem mais suave. Era como uma neblina sobre a serra, tranquila e em paz. A damia sorriu, em agradecimento.
- Obrigada pela considera??o – falou, a voz calma, se isso podia ser falado daquele ser. – Você, Uivo, por acaso sabe o que é um dahrar?
- Dahrar? N?o, nunca ouvi falar... Por quê?
- Porque é o que você é. Pensei que nunca veria alguém assim. Confesso que, te vendo, estranhamente me sinto mais...
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- Em paz?
A risada que ouviu foi muito estranha, fazendo sua alma gelar. Havia muita maldade nela.
- Eu diria algo mais como... como.... Agradecimento?
- Hummm? Agradecimento? Pelas estórias que ouvi achei que uma juguena nunca poderia ter tal sentimento.
- Dahrar... – sibilou com suavidade, como se pensasse sobre cada sílaba. – Dahrar é um ser antigo de poder, ao qual muitos desejam destruir, por medo. Sabe, Uivo, falam muitas coisas sobre nós, e o medo está em cada sílaba. Somos maus sim, de uma maldade que nos... deixa felizes, apesar de todo o tempo que existo. Mas, como somos t?o poucos, as estórias permanecem...
- Sempre achei que fosse um nefelin...
- Nefelin é muito, muito limitado comparado conosco.
Uivo ficou por algum tempo cismando sobre o que ouvira, e decidiu que isso mudava pouca coisa.
Deu de ombros, aceitando com facilidade ser um dahrar, o que quer que isso fosse, e n?o um nefelin.
- Sim, entendo. Como entendo que você é rara, que somos raros - refez.
- Sim, mas um dia já fomos muitos. Isso foi antes do dilúvio, na sexta era, invocado pelo próprio Trov?o. Contam que ele ficou horrorizado com os dahrars.
- Eu já tinha ouvido isso sobre um dilúvio, mas n?o falaram que fora invocado contra um ser em especial.
- Na verdade n?o foi só pelos dahrars, mas ele foi um item muito importante para a invoca??o do dilúvio.
- Parece que deu certo, n?o é? Ao menos para nós, dahrars. Mas, e os seus pais, onde eles est?o?
- Mortos... Os matei quando me poderei pela segunda vez. Eles n?o tinham respeito, nem mesmo pela sua filha...
Uivo pigarreou, constrangido pelo rumo da conversa.
- Bem, você disse agradecimento. Pelo que deveria estar agradecida?
- Por mostrar possibilidades. Vi que você é respeitado, e as pessoas n?o se afastam de você, n?o te renegam. Elas têm esperan?a de você, como aquela flor-do-mato. Ent?o, há possibilidades...
- A viu outras vezes?
- Sim – sorriu tranquila. – Vi quando aquele curupira insistiu em te atacar, e vi como ela... te deseja... Sabe, para viver ao lado... – suspirou.
- Ora, quem diria, héim? Uma juguena romantica – sorriu por sua vez.
- E quem n?o é, dem?nio? – sorriu também, agora totalmente leve.
- Sempre há possibilidades de sermos maiores do que nos foi ensinado, desejado ou esperado – Uivo sussurrou.
- Vejo isso, e de certa forma, isso me conforta.
- Que bom, que bom. Fico feliz por você, LuaEscura. Esperan?a é algo que...
A damia o olhou, vendo que ele procurava pela palavra certa, notando que ele deixava o dem?nio e poderava como pumacaya.
- Que ilumina os dias à frente?
- Você é surpreendente, LuaEscura – sorriu satisfeito. – Mas, vem cá, o que quer dizer, realmente, ser um dahrar?
- Dahrar é um nefelin, mas um nefelin diferente. Os nefelins s?o o resultado do cruzamento das pessoas com os homens, e também dos anjos e, muito raramente, de dem?nios com seres humanos. Também tem os nefelins, resultado do cruzamento de pessoas com pessoas. Eles possuem poderes, mas s?o poderes pequenos. Já os dahrars s?o um outro nível, num nível que até mesmo Tup? ficou por longo tempo se perguntando se n?o deveria exterminá-los em definitivo, como exterminara os gigantes.
- O que s?o os dahrars? – perguntou novamente, a preocupa??o exposta na voz.
- S?o muito raros e, quando surgem, devem ser vistos como algo à parte. As pessoas e seres humanos com os quais conviveu e convive sentem isso em suas almas. Dahrars s?o o resultado do cruzamento de anjos e pessoas entre si e, em alguns momentos, porque isso para eles é de extrema dificuldade, de dem?nios com pessoas, o que ainda é mais raro. Mas essas pessoas com quem cruzam, se forem as pessoas dem?nios ou fantasmas, dará nascimento a seres de maior poder ainda.
Uivo baixou a cabe?a, os pensamentos latejando, febrilmente relembrando tudo o que lhe aconteceu desde longos tempos. E ali, sempre, aquele medo e distanciamento, com exce??o de Tenebe.
- Dahrar, ent?o é isso que sou... – sussurrou.
- Dahrar é apenas um nome, uma palavra. Você é o que você é, o que se decidir ser.
- Vocês, os juguenas, s?o dahrars, n?o s?o?
- Somos, somos sim. Meu pai era um anjo, e minha m?e era uma juruparináh – revelou.
- Anjo? Mas os anjos...
- Meu pai era um sujeito maldoso, amargo. Ele era um anjo caído, um vigilante, cheio de remorso, medo e maldade. Digamos que nasceu anjo e morreu dem?nio.
Uivo ficou observando-a por algum tempo, e sorriu por fim.
– Sabe que estou quase te abra?ando, n?o sabe? – perguntou fazendo uma cara de moleque.
- Se tentar, te ataco – sorriu ela amigável.
- Somos muitos, LuaEscura?
- N?o, n?o somos. Somos muito raros, por isso incompreendidos, muito mais por nós mesmos. Sabe, você teve muita sorte por n?o ter sido criado pelos dem?nios.
- Acho que sim. Havia muito amor entre meus pais.
- Como sabe? – perguntou, uma certa descren?a encorpada na voz. – Eu ouvi por aí que seus pais morreram quando você era um curumim n?o entendido do mundo.
- Mas n?o sei disso pelo curumim. Eu sei disso porque eu estava lá, minha amiga...
- Ah, que bom... Amiga, nunca fui chamada assim. Meu raro amigo, se precisar, me chame. Eu te ouvirei... – prometeu, a voz sumindo enquanto o ser desaparecia no ar, que agora se tomava de luz.
Uivo al?ou os olhos, a vista alcan?ando longe, até uma nuvem que parecia ter a forma de uma enorme asa branca.
- Como a vida joga, afinal? – cismou para a nuvem, um som como uma can??o reboando suave por entre as árvores.