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UIVO E O ALIMENTO ESCURO

  Eu vi sua alma, e ela me deixou confuso. Por que ela destruiu o meu mundo?

  I

  - Você viu mesmo isso? – perguntou Itanauara, os olhos passando por Adanu, que ouvia o relato de Allenda em silêncio.

  - Sim... Eu estava fazendo a ronda quando ouvi ruídos ao longe. Quando cheguei vi que era Uivo. Ele estava atacando um grupo avan?ado dos thianahus. Bem, atacando é muito suave. Ele os estava trucidando com requintes de crueldade – relatou, lembrando a figura de sombras parecendo se lambuzar com tanto ódio e medo.

  - Ele a viu? – Adanu interrogou.

  - Sim... – Allenda sussurrou. – Assim que matou, estripou o último – se corrigiu, - ele se virou para mim. Me olhou por alguns segundos e simplesmente sumiu.

  Adanu baixou os olhos, a preocupa??o latente em seu rosto.

  Allenda sondou o rosto de Tenebe, e viu o quanto ele estava preocupado.

  - Ele pode vir para cá? – Immecole perguntou, os olhos sondando as sombras da floresta que se moviam pressagas, abanadas pelas chamas da fogueira.

  - Tenho certeza de que ele vinha para cá quando encontrou o grupo de thianahus. Eles faziam parte do grupo que estava nos procurando – Allenda declarou. - Ele n?o deve demorar.

  - Eu o vi ao largo do acampamento. Vocês também – Atanua murmurou. – Aqui esses dem?nios est?o mais ativos. é o Uivo que os mantém um pouco à distancia da comitiva. N?o vai demorar e logo ele vai estar entre nós.

  - Sim, também acho que ele deve aparecer por aqui – declarou Adanu, os olhos duros e um pouco rubros, falando diretamente para Tenebe. – O que podemos esperar? Itanauara?

  Itanauara se mexeu um pouco. N?o gostava de colocar sua aten??o muito próxima de Uivo, nem de qualquer dem?nio. A energia era pesada demais.

  - Ele n?o é nenhum risco para a comitiva – falou após sentir a energia ao lado dos lugares onde ele estava, abrindo lentamente os olhos. – Aqui a família dele, aqui o que ele mais ama – falou passando os olhos por Allenda. – Ele fará de tudo para proteger essa família.

  - Até mesmo se perder na escurid?o? – gemeu Allenda.

  - Ele n?o vai se perder na escurid?o – Tenebe declarou com a voz suave e confiante. - Sabemos que ele está avan?ando bem ao nosso lado há algum tempo, agindo como um escudo protetor. Ele n?o nos fará mal - declarou com tranquilidade.

  - Eu sei, Tenebe – Adanu suspirou. - E quanto a você, Allenda, por favor, aquiete seu lado guerreiro. Quando o encontrar, será com Uivo que se encontrará. Olhe em seus olhos e aquiete a guerreira, está bem?

  - Vou tentar, pai. Mas é que a maldade que...

  - Allenda... – ralhou Adanu, pedindo concentra??o.

  - Ah, está bem, eu prometo que vou tentar.

  De repente Allenda se levantou, se voltando para um lado da floresta, para onde todos se voltaram atentos.

  Algo se aproximava. Ainda estava um pouco distante, e vinha avan?ando de forma clara, anunciando abertamente sua aproxima??o.

  - Uivo está vindo - Allenda alertou. - Vou recebê-lo.

  - Acha aconselhável, Allenda? - perguntou Adanu, a voz pausada e tranquila.

  - Sim, muito aconselhável. Fui eu que vi a sua batalha.

  II

  Uivo parou ao confirmar que Allenda estava muito chateada. N?o queria brigar, n?o queria discuss?es, n?o queria se arriscar a despertar o que trazia consigo. Mas bem sabia que havia despertado a face guerreira e nobre de Allenda.

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  - O que veio fazer aqui, Uivo?

  - Vim te procurar, Allenda. Eu... Eu queria me explicar, ...

  - Consegue mesmo explicar o que vi? O que senti em você?

  - Sim... Eles estavam procurando cercar vocês...

  - Sabíamos deles. Eles n?o teriam qualquer chance.

  - Sim, eu sei.... Mas, eu estava lá... Ent?o... – tentou se explicar, os olhos se voltando para as figuras próximas que o mantinham sob aten??o.

  - Explicar... Uivo, lá eu n?o vi você, eu vi o dem?nio, se alimentando da dor e do medo. Se alimentando... – falou com indigna??o. - Eu vi o monstro, o dem?nio antigo que carrega, e que anseia ser você – vociferou Allenda. A sua figura, sombreada pela fogueira, parecia amea?adora demais. - O seu dem?nio é um dem?nio das profundezas que só procura o mal, que só deseja a solid?o e a destrui??o, pouco se importando com a vida, e você se deixou dominar por ele. N?o vê que ele está tentando tomar você, se fortalecer com o medo e o terror que te oferece como alimento, com a maldade que causa, nas dores que causa?

  - Sua opini?o... - falou Uivo.

  - Minha opini?o? Eu vi o prazer que te tomava enquanto torturava e trucidava aqueles coloridos.

  - Inimigos que nos tratariam sem qualquer piedade - sussurrou, os modos parecendo desanimados, cansados.

  - Inimigos, sim.... Mas isso n?o nos dá o direito de sermos dem?nios. Uma guerra limpa, uma batalha justa, é assim que deve ser. N?o podemos perder o que somos, pois assim, o mundo será destruído.

  - Algumas guerras n?o possuem almas...

  Allenda abanou a cabe?a, desconsolada.

  - Você vira as costas, pouca importancia dando. Sei que, quando o dem?nio assumir, porque vai assumir, você n?o virá em paz como agora. Você pode vencer o que é, Uivo?

  Uivo encarou cada um da comitiva que se formara em arco. Ali a dúvida, a indecis?o sobre como tratá-lo, na pergunta que cada um trazia no rosto. Em alguns a certeza cruel de que se tornaria definitivamente dem?nio e, em outros, a esperan?a de que ele poderia vencer a sua natureza, e isso porque confiavam nele.

  - Ent?o é isso... Você n?o acredita que eu tenha alguma chance de vencer...

  - Eu sei que você tem. Mas, e você? Você acha que tem?

  - Teria mais...

  Allenda n?o falou nada. Apenas ficou ali, parada, encarando Uivo, como um desafio. Por fim, suspirou.

  - Você, você é o mais importante nessa estória. O seu querer tem que ser imenso. Tem que acreditar nisso, Uivo. N?o vê que n?o é a vítima? Você é o mestre da escurid?o, o senhor das sombras.

  - N?o precisa temer, Allenda. Se eu n?o vencer, nunca mais me ver?o...

  - Ent?o é isso? é essa luta fraca que se promete, que me promete? - gritou avan?ando um passo e golpeando o peito de Uivo. - é esse futuro escuro que nos dá? Você n?o é t?o fraco para aceitar isso – falou, o nervosismo à flor da pele. - Eu espero mais de você. Eu espero o guerreiro, espero a luta insana, a luta desesperada. Eu quero o seu compromisso total – gritou tomada de raiva.

  A comitiva ficou em silêncio, observando. Todos entendiam o desespero que tomava Allenda.

  Ybynété gemeu baixinho ao ver a face dolorida de Uivo, examinando o rosto de Allenda. Havia tanta dor e desespero ali que seu cora??o ficou menor.

  Adanu viu o exato momento em que Allenda se decidiu. Pensou em impedi-la, mas ela foi rápida demais.

  Ela girou em fogo que crepitava e, ao completar o giro, já estava ao lado de Uivo. A seta de fogo penetrou fundo no bra?o de Uivo, que havia visto de relance o movimento da flor-do-mato e havia girado minimamente o corpo, deixando o bra?o para a seta.

  Com um gemido de revolta agachou-se e, girando, suas garras rasgaram o ar com extrema velocidade, cravando-se com crueldade na perna de Allenda. Num movimento brusco se levantou e a atirou longe, por cima da fogueira.

  Allenda, ignorando a dor, caiu em pé, os olhos injetados presos em Uivo.

  Tomada de ódio tirou as chamas da fogueira e atingiu Uivo com elas.

  - Uivo!!! Allenda!!! Vocês est?o loucos? – gritou Adanu em pé, totalmente incendiado, circundado por toda a comitiva.

  Uivo parou o avan?o contra Allenda, que tinha o arco apontado para ele, e olhou a si mesmo, totalmente envolto em uma espessa neblina.

  Sob os olhares da comitiva Uivo, num enorme esfor?o, se controlou. A neblina recuou e, por fim, desapareceu.

  A tristeza o abateu. Seus olhos procuraram Tenebe, que o olhava enternecido.

  - Vocês ainda v?o se matar - Adanu recriminou.

  - Ela atacou... - reclamou Uivo.

  - Você cruzou o meu caminho – cuspiu, a seta apontada para o cora??o do nefelin. - Você é uma amea?a muito grande a todos, mas principalmente a você - retrucou guardando a seta e recolhendo o arco. – Aprenda a controlar seu dem?nio, mesmo quando for atacado. N?o foi você que eu ataquei, foi o dem?nio. Deixe-o vir à tona e enfrente-o de uma vez por todas. Eu te ajudo, eu estou aqui – gritou. – Deixe de se alimentar com o que o dem?nio te oferece.

  Sem dizer mais nada ela se virou e, ignorando a dor, com dignidade se afastou, deixando-os ali, parados, confusos.

  Adanu sorriu e se aproximou de Uivo.

  - T?o bem quanto eu, você sabe que ela está certa. Ela espera o melhor de você. Ela quer ter esperan?as, Uivo.

  - Esperan?a. Esperan?a e saudade... Palavras bonitas, que podem fazer a gente ir avan?ando um passo por vez. Eu sei, Adanu, que ela merece muito mais de mim do que estou conseguindo. Sei que ela está certa. Mas...

  - Sei o quanto essa luta é desumana, Uivo. Sei que vai conseguir, por você e por ela. Apenas esteja atento às promessas vazias da escurid?o, que espera uma oportunidade para imperar. Ou?a o seu cora??o, sempre o seu cora??o, e o cora??o dela...

  Uivo encheu o peito, o olhar silencioso e distante, um sorriso esperan?oso no rosto.

  - Obrigado, Adanu – sorriu com suavidade. - Que o Trov?o esteja no caminho que escolherem. N?o menos que o meu melhor que eu puder sonhar... Diga a ela, por favor: n?o menos que o meu melhor que eu puder sonhar – recitou se despedindo, voltando pelo caminho que viera.

  Adanu ficou parado, observando Uivo se distanciando.

  - Há certas coisas que n?o está em nós decidir - falou com curiosidade, mais para si mesmo, observando uma espécie de aura extremamente tênue em torno do puma. A aura dele estava em conflito.

  Franzindo o cenho procurou por Tenebe. A dor do amigo bateu em seu peito, e teve pena dele.

  Ent?o entrou na casa, e se abra?ou apertado em Allenda, que chorava silenciosamente em frente à lareira.

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